Dinho é um homem mau. Pelo menos é o que todo o Brasil pensa. E ele não faz questão de negar. Seu problema não é a imagem que fazem dele. Seu problema é que tem uma missão a cumprir. Dinho precisa parar os atacantes que conspiram para marcar gols no Grêmio. É para isso que ele está onde está. Por isso usa o número 5 às costas. Para isso, não hesita em dar um chutão rumo às nuvens sobre o Estádio Olímpico. Nem sofre com dores de consciência quando tem de pespegar a canela de um adversário com um sempre enérgico pontapé. Com a serenidade dos homens que vão para casa com o dever cumprido, Dinho explica, quase candidamente: “É o que esperam de mim”.
Dinho veio de longe, da pouco famosa Neópolis, no Sergipe. Chamam-no “Cangaceiro”. Raros conhecem seu nome. Foi batizado, há 30 anos, Edi Wilson José dos Santos. Ele não sabe bem o porquê do Edi Wilson, suspeita que sua mãe gostava do cantor da Jovem Guarda. “Mas nunca escutei uma música dele, não”, admite. Ele gosta mesmo é de ouvir os nordestinos do “Flor da Terra”, cujo lamento se espraia a partir das caixas de som da sua picape branca: Bandoleira, pistoleira, teu amor maltratou meu coração, me trucidou!
Dinho acompanha a letra cantando baixinho e, depois, comenta, sensibilizado: “A música é sobre uma vagabunda”. Nestes momentos, Dinho nem parece ser um homem mau. Porque Dinho também canta, também ri com os amigos e, um dia, se apaixonou. Foi quando ainda morava em Neópolis. Trabalhava no ginásio de esportes, varria a quadra, acendia e apagava as luzes. Uma tarde, seus olhos de samurai deram com os de uma moça que morava em frente ao ginásio. Pronto: os times que jogavam na quadra podiam estourar o horário à vontade que o encarregado estava sempre namorando. Pouco tempo depois, casou-se com Luciene. Hoje, tem dois filhos com ela. Dia desses, Luciene apareceu na TV, em uma reportagem sobre o marido. O repórter decidiu brincar com ela e perguntou: “Em campo o Dinho é brabo, mas em casa quem manda é você, não é?” Os lábios de Luciene desenharam um meio sorriso e ela ciciou, tímida: “É. Quando ele não está em casa, quem manda sou eu”.
Dinho é assim. Sempre foi assim, o Cangaceiro, o líder do time, desde seus tempos de Confiança, no Sergipe, até ir para o Sport, onde foi campeão brasileiro, em 1987, ou no São Paulo, de Telê Santana, que conquistou o mundo em 1992 e 93. Só no Santos, em 1994, Dinho não foi muito bem. Mas em seguida chegou ao Grêmio para tomar a América de assalto. É este líder que hoje volta a treinar normalmente, depois de quase três meses de afastamento. Dinho saiu do time, lesionado, em 20 de maio passado, noite da primeira partida da final da Copa do Brasil, contra o Flamengo. Passou por uma cirurgia no joelho direito e, neste período, viu o Grêmio descambar do Olimpo dos campeões para as trevas dos derrotados. Dinho planeja voltar ao time no Gre-Nal de 24 de agosto. “Se o técnico quiser”, ressalva. Deve querer. Que técnico não ia querer escalar um cangaceiro à frente da área?
Zero Hora – Sua principal característica é a marcação forte, a pegada. Sempre foi assim?
Dinho – Não. Eu comecei como meia-direita e gostava muito de driblar, armar jogadas. Adorava dar o passe para os outros fazerem gol. Centroavante que jogava comigo fazia um monte de gol. Eu era assim tipo Émerson.
ZH – Como houve a mudança?
Dinho – Em 1987, o Antônio Lopes era técnico do Sport e o volante titular, o Rogério, se machucou. Ele pediu que eu jogasse de volante e aceitei. Gostei tanto que hoje nem penso em jogar em outra posição.
ZH – Naquela época chegou a acontecer algo parecido com a briga com o Válber naquela partida entre Grêmio e Palmeiras em 1995?
Dinho – Ah, sim. Uma vez, num clássico com o Santa Cruz, o Lula, zagueiro deles, deu uma voadora no João Pedro, nosso lateral, que ainda por cima também era sergipano. Aí eu enlouqueci. Eu e o Nando, o centroavante aquele que já jogou aqui, saímos correndo atrás do Lula. Ele correu, correu, conseguiu chegar no túnel e escorregou nas escadas. Dei um soco, mas não acertei porque ele se foi pra baixo.
ZH – Você se irrita muito quando é driblado?
Dinho – Muito. Odeio ser driblado.
ZH – Que tipo de reação você tem ao ser driblado?
Dinho – Levo o drible e já olho feio pro cara. Quando ele tenta me driblar a segunda vez, já dou no meio dele.
ZH – Como aconteceu com o Sávio na primeira partida da final da Copa do Brasil?
Dinho – É. Detesto jogador como o Sávio, que fica fazendo gracinha em vez de dar o drible e seguir em frente, como o Dener fazia. Nesses eu chego mesmo.
ZH – Você sente que o Sávio tem medo de você?
Dinho – Quando chego perto dele, ele já treme.
A briga com Válber, do Palmeiras, não foi esquecida: “Da próxima vez que nos encontrarmos, vou dar uma chegadinha nele”
ZH – Todos são assim? Você fala alguma coisa para eles em campo e, se fala, sente que eles tremem?
Dinho – Falo, sim, mas não são todos que tremem. Muitos não se importam, outros respondem.
ZH – O que você fala?
Dinho – Depende, “toma cuidado”, essas coisas.
ZH – Se você jogasse no Sport, o que faria naquele lance em que o Tinga marcou o gol?
Dinho – Se eu fosse o primeiro marcador já tinha colocado o cotovelo na cara dele. Aí ele não fazia o gol. Era o que eu tinha de fazer.
ZH – Por que “era o que tinha de fazer”?
Dinho – Porque é o que a torcida espera de mim.
ZH – Muita gente fala que, se você estivesse em campo, o Grêmio não levaria 6 a 0 do Goiás. É sobre este sentimento que você se refere?
Dinho – É. Muita gente fala isso, sim. Eu até me assusto. As pessoas vêm falar comigo, perguntar quando eu vou voltar. Será que as pessoas me acham tão importante assim? Será que acham que eu ia fazer 10 gols, ganhar 10 jogos?
ZH – É que você, de certa forma, encarnou o espírito do Grêmio vencedor, não é?
Dinho – Com certeza. Até o presidente Cacalo e o seu Fábio Koff falam que eu sou a cara do Grêmio. E eu me adaptei demais ao estilo do Grêmio. Os clubes que mais gosto são o Sport e o Grêmio.
ZH – E você acha que o Grêmio realmente se sairia melhor se você estivesse em campo?
Dinho – Não sei... Talvez se saísse pior.
ZH – Onde você assistiu àquela partida?
Dinho – Na casa de um amigo. Depois do jogo, ia jantar com a minha mulher, mas desisti, de tão chateado que fiquei. Nem dormi naquela noite. Sempre que perco algum jogo perco também o sono.
ZH – Você tinha como ídolo algum jogador assim como você, de pegada?
Dinho – Não. Quem eu gostava de ver jogar era o Falcão. Uma vez até o Mário Sérgio disse que eu jogava como o Falcão, de cabeça erguida, que matava no peito. Gostei muito de ouvir aquilo.
ZH – Nos outros clubes em que jogou também diziam que você era violento?
Dinho – Só aqui no Grêmio. Acho que é porque é um time do Sul. Mas isso é da posição. Olha o Goiano, ele também dá pau e ninguém fala dele. Olha o Mancuso, o Bernardo, o Axel, todos batem e ninguém fala deles. E todos são da mesma posição.
ZH – Você diria que o volante serve exatamente para isso, para matar a jogada do adversário?
Dinho – Esta é a função do volante, mas eu também gosto de sair para o jogo.
ZH – No Grêmio há você e o Goiano na marcação, no meio, e um dos dois tem sempre que se expor ao drible.
Dinho – É isso mesmo. A gente combina: às vezes, eu dou o bote e me arrisco a levar um drible feio. Aí, ele toma a bola. Às vezes é ele quem dá o bote e eu fico na espera para tomar a bola. Mas tem que ser assim mesmo: alguém tem que se expor.
ZH – E geralmente é você quem mais se expõe.
Dinho – Por isso levo tanto cartão amarelo e vermelho.
ZH – Os juízes o perseguem?
Dinho – Alguns, sim. Alguns até me fazem advertência antes do jogo. Não posso dizer os nomes, claro.
ZH – Certamente, a confusão mais polêmica em que você se meteu foi aquela com o Válber. Como foi aquilo? Ele lhe deu um soco, não é?
Dinho – Me deu um soco no nariz. Eu tava sangrando, no chão, e os jogadores do Palmeiras cercaram o juiz, o Cláudio Cerdeira, que aceitou a pressão e me expulsou. Foi bom eu ser expulso, porque eu ia pegar o Válber de qualquer jeito. Ia mesmo. Aquilo não ia ficar assim. Como eu ia voltar pra casa, olhar pros meus filhos e dizer que tinha apanhado na rua? Ia pegar o Válber nem que fosse no inferno. Aí dei aquela voadora nele e ainda bem que não acertei, porque eu ia matar o cara. Ia matar. Aí não estaria aqui agora, dando entrevista.
ZH – Vocês se falaram depois?
Dinho – Ele pediu desculpa e eu disse que aceitei, mas foi daquele jeito, né...
ZH – Então, na próxima vez que vocês se encontrarem...
Dinho – Da próxima vez que a gente se encontrar vou dar uma chegadinha nele.
ZH – Você planeja começar a correr neste domingo e espera poder jogar já no outro final de semana. O outro final de semana é o do Gre-Nal, um jogo duro por natureza. Seria o melhor tipo de jogo para retornar depois de quase três meses parado?
Dinho – Já joguei muitos clássicos, mas nenhum com tanta rivalidade. O Gre-Nal é um jogo em que ganha quem tem mais garra, determinação, vontade. Talvez eu não esteja com todas as condições, talvez não possa jogar toda a partida. Mas o Gre-Nal é o meu tipo de jogo.
ZH – Você pretende ser técnico depois de parar de jogar?
ZH – O Adílson também quer ser técnico e é um estudioso do futebol, fica vendo fitas de jogos, lendo sobre táticas. Você também faz isso?
Dinho – Não, eu não. O Adílson fica mesmo fazendo isso. Contra o Ajax, no Japão, vivia vendo teipe dos jogos deles, falando sobre como jogavam. Eu, não. Não me importo com isso. Pra mim não tem nenhuma importância quem vai jogar, porque eu não tenho medo.
O que dizer? Simplesmente um mestre do verdadeiro futebol.
Um comentário:
Grande Dinho copeiro!
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