sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Tequila

Foi numa noite de inverno que começou a história, quando eu tinha em torno de oito anos de idade. Lembro de estar vendo alguma bobagem na televisão com os meus irmãos, enquanto esperava que minha mãe e padrasto chegassem de algum lugar que eles não tinham dito qual era. Enfim, coisa normal, já que normalmente quem deve satisfações são os filhos.

Quando meus pais, por assim dizer, entraram no apartamento da Cidade Baixa percebemos que tinham em mãos uma mala bem grande e que estranhamente se mexia. Colocaram com cuidado a mala no chão, incentivando-nos a ver o que havia dentro. E qual não foi nossa surpresa ao ver que lá tinha não um, mas TRÊS filhotes de cachorros, mais especificamente cocker.

Me obrigo, agora, a fazer um adendo importante sobre o assunto: meu sonho de piá era ter um bicho de estimação. Cheguei a ter passarinhos que caíam no pátio da casa em Uruguaiana com asas machucadas, tive um pinto (que virou canja de galinha) e um gato que fugiu. Mas minha vó nunca deixou ter cachorro. É muita sujeira, dá muito trabalho, dizia a minha velha.

Voltando aos três cachorros, foram obviamente mimados pelos quatro irmãos instantaneamente. Quase não dormimos dando comida e trocando os jornais deles durante aquela madrugada. Infelizmente, tivemos que nos desfazer de dois deles pela falta de espaço no apartamento, e ficamos só com uma filhote.

Depois de algumas votações, discussões e coisas necessárias pra escolher o nome de um cachorro, decidimos: Tequila iria ser. Muitos pensam que isso seria por eu ser muito fã da banda Tequila Baby, mas na época eu nem sonhava com os potentes e influentes acordes do punk rock ainda. A inspiração veio de uma música homônima do Skank, na época uma banda que agradava toda a família. E, bom, ainda teve a apreciação dos adultos pela homenagem à bebida, é claro.

A princípio, todos cuidávamos da Tequila. Afinal, era a condição para ficarmos com ela. Mas, com o tempo e conforme as circunstâncias, a tarefa acabou ficando mais pra mim. Era difícil minhas irmãs saírem na rua pra passear com a Tequila, pois poderia ser perigoso. Meu irmão não sabia nem andar sozinho na rua, imagina com uma cadela sob sua responsabilidade. Sendo assim, passei eu a cuidar dela. Passeava, limpava as sujeiras dela, dava comida e água - e de vez em quando algo da minha comida -, e às vezes, pra não dizer quase sempre, dava um canto no meu colchão pra ela dormir comigo.

Assim eu cresci, aprendendo o que era ter responsabilidade por uma vida. Parando pra pensar agora, acho que serviu até para que eu tivesse ainda mais cuidado com meus irmãos, dentre outras coisas. Mas, acima de tudo, eu tive uma companheira inigualável. Muitas coisas mudavam na minha vida, conforme o tempo passava, mas ela era a constante. Sempre comigo, fazendo festa quando eu chegava em casa ou quando pegava a guia dela pra levar ela pra passear.

Mas, como todos sabem que acontece, chega uma hora em que eles vão pr'aquela fazenda além do imaginável. Eu tinha meus quinze anos, já começava a virar um "baita barbado", como dizia a minha vó, quando a Tequila deu sinais de velhice e de alguma doença. A mãe botou ela no carro e levou para o hospital veterinário da UFRGS. Foram longas horas de espera, pra depois ver a minha mãe passar pela porta sozinha e de mãos vazias, a mesma porta que ela tinha chegado anos antes com a mala.

O pior foi que na hora toda a família chorou, menos eu. Na hora, dei a desculpa de que ver ela sofrendo como sofria antes era pior. Mas no fundo, eu sabia que não era isso. Pra falar a verdade, acho que não caiu a ficha do que tinha acontecido mesmo.

Depois disso, fiquei ressabiado. Achava que seria um tipo de traição com a Tequila se eu tivesse outro cachorro. Por isso relutei no início, quando chegou o Thor pela mesma porta que anos antes a Tequila tinha chegado e depois saído. Óbvio que, com o tempo, aprendi a gostar dele como se fosse parte da família, mas ainda tinha aquela coisa da Tequila mal resolvida.

Resolução a qual só cheguei ao assistir o filme e ler o livro Marley e Eu. Foi quando vieram as lágrimas pela Tequila, ao identificar ela na maioria das coisas que o labrador serelepe fazia. Foi então que fiquei tranquilo, soube que tinha feito tudo o que podia fazer por ela e vice-versa. E cada vez gosto mais de cachorros e quero ter pelo menos um deles ao meu lado, até o fim. Ou até o início.




Ps.: Escrevi isso porque ontem uma amiga muito querida me falou que tava arrasada, porque o Marley dela tinha ido pra tal fazenda. Desde então vim pensando nisso tudo que escrevi, e resolvi desenterrar o blog. De repente consigo manter um pouco esse costume...

PPs.: Menção honrosa ao Thor e à Lune, que ficaram o tempo todo dormindo ao meu lado, enquanto eu escrevia. Inclusive tive que parar no meio do texto porque a Lune teve um acesso de hiperatividade e não parou de resmungar enquanto eu não brincasse com ela. Mas agora já capotaram os dois ali no canto, pro meu descanso.