Oito horas e quarenta dois minutos de uma gelada noite de domingo. Mais um daqueles domingos modorrentos, sem nada pra fazer e com muito para pensar. Carlos Augusto - nome que ele odiava, não entendia por que a mãe tinha de pôr um nome composto nele - estava sentado no banco de uma praça próxima à sua casa, no subúrbio de uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre, pensando em como queria fumar mais um cigarrinho ilícito pra fechar o fim de semana com chave de ouro. Na noite anterior, ele já havia fumado alguns, enquanto passava a madrugada em claro assistindo filmes no estilo Cine Privè e Cheech & Chong.
O problema é que ele não tinha mais. Não plantava - certa vez até tentou criar uma mudinha em casa, dando explicações estapafúrdias à mãe quando era indagado a respeito da estranha planta, mas a sua inaptidão como agricultor acabou matando a inocente planta - e não tinha mais dinheiro para comprar com o seu fornecedor de sempre, amigo de infância e ex-colega de escola. A única alternativa que ele ainda conseguia enxergar era drástica, mas talvez necessária: assaltar uma casa vazia, pegar alguns pertences e trocar pela droga. Ele havia prometido a si mesmo, depois de ser preso uma vez fazendo isso, que não mais recorreria a esse artifício. E pretendia cumprir a sua promessa.
Mas aí o tal do diabinho falou mais alto. Afinal, ele escolheria uma boa casa, de uma família provavelmente abastada, mais que ele ao menos e com certeza menos necessitada. Era isso, estava decidido. Saiu caminhando por uma rua próxima à praça em que estava, procurando por uma casa que pudesse estar deserta. Caminhou umas duas quadras com casas com luzes, televisores ligados no Fantástico, Bate-Bola e em outros vários programas, quando encontrou a casa aparentemente perfeita.
Uma casa de dois andares, o típico sobrado, exatamente em uma esquina, com as luzes todas apagas. Como era relativamente cedo, ele deduziu que não estavam dormindo e, consequentemente, a casa estava vazia. Na base da casa, no térreo, haviam tijolos à vista até mais ou menos metro e meio de altura, onde começava a parede de fato da construção. Em algum tempo ela devia ter sido branca, mas agora já apresentava um tom amarelado, com marcas de bola embarrada por toda a parede e pichações feitas com corretivos escolares nos tijolos. De gosto duvidável a aparência da casa, mas com certeza no interior dela deveria haver algum objeto de valor.
Entrar na casa foi relativamente complicado. Próximo à casa, havia uma árvore que, ocasionalmente, tinha alguns galhos largos e aparentemente fortes que inclinavam para a sacada do segundo piso. Como Carlos Augusto era bem magro, apesar de muito alto, resolveu arriscar. Trepou na árvore como se fosse um guri de Uruguaiana com seus sete anos e foi cuidadosamente até a beira do galho que melhor proporcionava a aproximação à sacada. Depois de chegar, entrar foi fácil, visto que por descuido dos moradores a porta da sacada estava destrancada.
No interior da casa, viu que tinha razão. Era uma casa de família de classe média, talvez média-alta. Depois de revirar algumas gavetas e armários sem saber ao certo o que levar, achou o objeto perfeito: um televisor de plasma, provavelmente de vinte e nove polegadas. Desligou-o da tomada e saiu naturalmente da casa pela porta da frente, depois de encontrar num chaveiro pendurado na parede próxima da porta da casa o molho de chaves da residência.
Depois de caminhar umas poucas quadras até a casa do amigo, conseguiu o tanto de cigarrinhos que tanto queria. Depois de praticamente acender um em outro, coisa que teria feito se fosse possível, terminou com eles. Todos, não sobrou nenhum. E o Carlos queria tanto mais um. Mas queria tanto, que tomou a decisão na hora: voltaria à casa e roubaria outra coisa. Quem sabe um rádio, no mínimo um cigarro renderia. Sem falar que dessa vez seria mais fácil, tinha as chaves da casa, seria difícil subir na árvore no estado em que se encontrava.
Chegando ao já familiar sobrado da esquina, ele adentrou a sala de estar que ficava muito próxima da entrada da casa e visualizou um enorme e confortável sofá. Foi então que ele se lembrou que, mesmo que tivesse passado uma maravilhosa madrugada em claro, com incríveis idéias e viagens, ele não havia dormido ainda! As pálpebras pesaram mais que nunca, a cabeça começou a doer e ele se sentiu muito cansado. "Isso tudo é psicológico mesmo", pensou ele. Resolveu tirar um cochilo pra ficar melhor e então voltar ao seu amigo fornecedor com outro presentinho. Estava tão "alto", que não percebeu o perigo que corria.
Acordou cerca de duas horas depois, que pra ele pareciam ter sido dois minutos. Quatro policiais lhe olhavam, em uma iluminada sala de estar, com expressões que misturavam espanto e deboche. Só percebeu que voltaria ao inferno do xadrez quando a viatura em que estava se aproximava da já conhecida delegacia da cidade.
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Estória, inspirada por uma inacreditável história. Resolvi escrever em cima, e foi o mais próximo que consegui chegar de uma possível realidade. Acho que ficou meio longo e talvez cansativo já que não tem diálogos, mas é o primeiro, peço um desconto!
Link da história: "Ladrão invade casa em Canoas e dorme no sofá"
terça-feira, 24 de junho de 2008
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